Há algo de irresistível em histórias que misturam utopia e tragédia, principalmente quando a promessa de um paraíso se desfaz diante das fraquezas humanas. Em Éden, novo longa de Ron Howard, disponível no Prime Video, esse fascínio é explorado com precisão cirúrgica.
Inspirado em fatos reais ocorridos nas Ilhas Galápagos nos anos 1930, o filme reconstrói um episódio quase esquecido da história: o de um grupo de idealistas alemães que abandonou a civilização, no meio das duas guerras mundiais, para fundar uma comunidade perfeita. Porém, acabaram descobrindo que o inferno, como diria Sartre, são os outros.
O elenco é um dos trunfos da produção. Gosto de todos: Jude Law, Vanessa Kirby, Ana de Armas, Sydney Sweeney e Daniel Brühl. Com atuações intensas, os personagens são dilacerados por crenças e contradições. Howard - diretor de Uma Mente Brilhante e Rush -, transforma o cenário paradisíaco de Floreana Island em uma metáfora sombria da natureza humana: a paisagem é bela, mas árida; o mar é calmo, mas traiçoeiro.

Éden', filme com Sydney Sweeney e Ana de Armas, chega ao streaming (Divulgação/Prime Video)
O Friedrich Ritter, um homem desiludido com a modernidade que decide “recomeçar o mundo” com sua amante Dore Strauch, portadora de esclerose múltipla, são os pioneiros a chegar na ilha. O casal é seguido pelos Wittmer e, depois, pela exuberante baronesa Antonia von Wehrborn Bosquet, com dois amantes, vestidos de seda e muitas pérolas. A convivência entre os pioneiros, inicialmente sustentada por ideais de liberdade e pureza, logo se transforma em disputa por poder, território e sobrevivência.
Howard conduz esse mundo caótico e amoral com ritmo firme e fotografia hipnótica, alternando tons dourados e sombras densas, como se a própria luz tropical conspirasse para revelar a escuridão dos personagens. O filme ganha força justamente quando abandona o exotismo da ilha para focar no que realmente importa: o abismo entre o que sonhamos ser e o que somos quando a civilização se dissolve.
A frase de Kahler, autora do livro que inspirou parte da trama, sintetiza o espírito do filme:
“Se você quer ser feliz em uma ilha deserta, precisa estar realmente sozinho. Não pode levar ninguém com você.”
Em Éden, o local muda, mas as pessoas não. Os ideais de pureza e comunhão se corrompem rapidamente. A ilha, em vez de refúgio, torna-se um espelho do egoísmo e da vaidade humana. Mais do que um drama de sobrevivência, o filme é um lembrete poderoso de que não há fuga possível de nós mesmos.



