Hortência: exposição Miss Dior
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- Criado em Quinta, 30 Março 2023 06:30
No último dia 24, o Tribunal de Contas do Estado de Sergipe pilotou a Sexta Cultura. Entre vários artistas convidados para o encontro no Hall da instituição, destaco Hortência Carvalho, que apresentou a exposição Miss Dior. Conversei com a talentosa pintora sobre seu projeto de pesquisas nas cidades. "Antigamente, as pessoas guardavam coisas usadas, pois achavam que um dia poderiam ser reaproveitadas. Comigo não foi diferente. Faziam parte do meu estoque de infância caixas de sabonete, papel de presente amassado, frascos vazios de perfume - ainda hoje sinto o aroma - naquela penteadeira de três espelhos, da casa da minha avó, do “Tabu”, um perfume feminino, doce que ele podia ser, e o perfume apaixonado, ”Toque de Amor"", explica.
Hortência disse-me que guardou um livro de estórias da fada madrinha, uma gordinha linda, além de um colar de pérolas, um vestido de organdi e algumas roupas das irmãs, que passavam anos entupidas de naftalina, achando que poderia usar depois, pensando talvez na Missa do Galo do Natal.
Para ela, essa realidade mudou completamente. "Hoje nas cidades modernas, a sociedade de consumo tudo quer mercantilizar. Os objetos são descartados, marcados pela regularidade da compra imposta pelas campanhas de publicidade". A mostra propõe um novo olhar ao questionar essa constelação de sentidos que costura a vida, calcada em valores materiais e modelos impostos por padrões globalizados de luxo, riqueza e poder. A beleza, charme, elegância e a maneira de viver precisam ser necessariamente caros e muita das vezes impossíveis de serem adquiridos?

"Antropologicamente, nenhum sistema cultural é superior a outro. Somos apenas mais um na Terra. "Foi no meio de uma multidão que vi uma camponesa e o marido, sentados, silenciosos, que ouviam com esperança, vozes de uma resistência. De costas para mim, vi que ela tinha cabelos ruivos, pele morena. Ao se movimentar, percebi um conjunto harmonioso, ton sur ton, e também cílios ruivos", explica. A camponesa é a grande referência para o Miss Dior, a estrela desse projeto desfila nas passarelas de uma vida particular, símbolo de beleza e elegância, parodiando as modelos das maisons de luxo europeias.
Na Mostra. o emaranhado de memórias sensoriais, o apelo ambiental, a linguagem poética, são mescladas com aspectos fortemente visuais e evocam termos e formas dos manuais de venda dos catálogos de perfumaria e maquiagem, onde se destacam os fotopoemas.Toda desconstrução mercadológica de valores importados elabora uma releitura de valores civilizatórios para uma sociedade que agora poderá consumir a verdadeira beleza, poesia e artigos de luxo. O luxo do essencial, do reusado, refeito e que poderá ser usado sem moderação.
No livro Dior Dissimulada, Hortência descreve suas andanças, lutas, trabalho, amor, religiosidade da mulher nordestina, agricultora, mas que o trabalho no campo não lhe tira a vaidade de uma máscara nos cílios e uma tinta ruiva para realçar os cabelos ondulados dos escaldantes ventos no sertão.
Foto: Madalena Sá