Entrevista exclusiva com Deborah Colker

  • Imprimir


Madalena Sá.  O que difere Cão sem Plumas dos outros trabalhos?

Deborah Colker. Cão sem Plumas parte de um poema de João Cabral de Melo Neto e é um poema muito geográfico. A localização desse rio, desse lugar é muito importante nesse poema.
E eu percebi que seria importante para adaptar de uma maneira honesta, fiel e também poder transcender esse olhar, trazer o cinema e a própria poesia para esse espetáculo. Então é um espetáculo q tem quatro linguagens nesse palco; dança cinema poesia e a música.




MS. Como foi a escolha desse novo trabalho?

DC. Foi durante um engarrafamento carioca que chorei pela primeira vez - o que seria apenas uma distração contra o tédio, a leitura do poema O Cão Sem Plumas, de João Cabral de Melo Neto (1920-1999), me provocou uma verdadeira comoção, foi como um soco no estômago, e tive a certeza que esse poema fala o que eu estava precisando dizer agora. Nos anos 80, eu conheci esse poema e ainda jovem escutei que o sangue de um homem é mais espesso que sonho de um homem.
Era 2014 e me preparava para estrear o espetáculo Belle, mas foi ali que decidi qual seria meu próximo trabalho. O que eu não sabia é que aquele longo poema no qual, com uma linguagem depurada, o poeta humaniza um dos símbolos do Recife, o rio Capibaribe, transformaria minha vida e carreira.

Cão Sem Plumas (note a omissão do artigo O), meu 13.º trabalho, estreou na capital pernambucana no início de junho/2017. Por onde passa, causa comoção. “João Cabral reforçou minha visão de brasilidade”.
Escolhi 4 linguagens presentes nesse espetáculo, a dança o cine a poesia e a música. Construímos um corpo e um vocabulários de movimentos que construiu um homem caranguejo, que ao mesmo tempo é mastigado, saqueado, roubado, que roubam dele até o que ele não tem. Mas esse mesmo homem é teimoso, resistente e guerreiro. Essa terra seca e craquelada é a pele dele. Esse rio e essas aguas carregam as histórias desses ribeirinhos e desses lugares, tão trágicos e tão exuberantes.

MS. Quais são os projetos para a Companhia?

DC. Temos Cão sem Plumas nacionalmente e internacionalmente, estamos também refazendo o Nó, e na verdade é um espetáculo que estreou em 2005, que fala de desejo. Foi a grande mudança dramatúrgica que começou a acontecer para mim, como diretora e coreógrafa da companhia, e este espetáculo tinha dois atos, o primeiro eram as cordas, e o segundo era a grande caixa transparente, uma grande vitrine e eu resolvi me dedicar só a esse primeiro ato, aumentei, modifiquei, e estou mergulhada nisso, junto com CSP, um espetáculo muito intenso muito profundo que também mergulha na condição humana.


MS.      Qual o conselho para quem deseja ser um bailarino?

DC. Saber o que quer dançar e entender que conhecer seu próprio corpo, dominar seu próprio corpo e que a técnica é fundamental para sua liberdade criativa. Você com uma condição técnica completa, isso é, com domínio contemporâneo, com o domínio da técnica clássica, que estuda e conhece tão bem o corpo, te dá uma instrumentação para você, possivelmente, fazer o que quiser.

MS.      O que muda quando dirige um espetáculo para o Cirque du Soleil e um outro para a sua Companhia?

DC. São duas estruturas diferentes, perspectivas diferentes, tamanhos diferentes, condição financeira diferente. O Cirque du Soleil é uma companhia de circo, e ele parte do circo para dialogar com outras linguagens e outras tecnologias. A minha companhia é uma cia de dança, que parte da dança para dialogar com outras ideias com outras tecnologias.